Miradores

A METAFÍSICA DA MORTE

(*)Antonio da Costa Neto

Todos temos um encontro agendado com ele...
“Pior que a morte é desviver.”
(Fátima Guedes)

A morte sempre foi em nossa cultura e quase todas as demais um monstro, uma coisa de fato, horrível; o fruto do maior do medo, do frio, do escuro, do silêncio mórbido que causa os mais profundos arrepios. É o maior dos terrores: tudo, menos a morte, infelizmente, adiável, mas inevitável a cada um de nós. Todos – ou quase todos – o que mais temos é o medo de morrer. Nascemos e morremos. E pior ainda, já nascemos morrendo, o que é motivo de tristeza e sofrimento para muita gente. Sabemos de sua fenomenologia: um dia alguém vai morrer. Mas para o nosso sossego, a vida continua, dando-nos a ilusão de sermos imortais, o que, em última análise mantêm-nos vivos. Restando-nos a “certeza” de que não será agora, que ainda irá demorar anos e anos. E assim, sempre.O medo de morrer, o pavor da primeira noite na sepultura, para onde iremos, inevitavelmente e por toda uma eternidade. Restando aí a tão medonha sensação dos crematórios. São, talvez, os maiores horrores e temores que a humanidade enfrenta e que a eterna evolução da tecnologia jamais irá resolver. Mesmo que se fale em clones, em elixir da vida eterna, nas belezas do pós-túmulo. Nada alivia esta dor, este sofrimento, este medo. Assim, a própria inexistência de solução – pois inevitavelmente todos morreremos – já mostra que isso não constitui um problema. A sábia energia do universo já deu prova de que todos estes têm solução. Se não tem solução, como é o caso, é porque não é problema e pronto. Na verdade, o que aí constitui o mal é a nossa infinita ignorância. A humanidade continua muito burra, muito boba, coitadinha. E este brutal e infantil medo da morte é uma das provas mais evidentes da nossa pequenez e insignificância frente à grandiosidade do universo e do mundo. Nossa visão arraigada na matéria, numa sociedade de consumo profundamente atrasada – especialmente a nossa, que se fundamenta no mais rudimentar dos modelos capitalistas – e que se esqueceu de evoluir, há milênios. Uma legião de pessoas que dorme o sono pesado, intranqüilo da dinâmica do produto e não, do processo. Do ter que ter à revelia de tudo mais, que passa a vida desvivendo e que, de repente, morre sem saber.Ficamos e permanecemos assim, verdadeiros escravos do poder e do dinheiro. E o desligar da matéria, o ter que morrer, que abandonar este invólucro carnal que tanto nos incomoda: engorda, envelhece, fica doente, feio, se gasta tanto com ele, transparece-nos como a maior das tristezas, insuportável para muitos. Que, talvez, mandá-lo embora possa ser um prêmio, uma maravilha sem precedentes. Por que nunca paramos para pensar nisso? A bem da filosófica verdade, morrer é um grande prêmio, uma bênção a qualquer tempo. Morremos de medo de morrer porque somos uns patetas, um bobos, teleguiados por quem precisa de nossas vidas para nos explorar mais e mais a cada dia. Na minha terra existe um dito popular, uma brincadeira,que acaba sendo uma sábia afirmação pra valer. Dizem-se assim: “Morrer deve ser muito bom. Você já viu alguém que morre voltar para cá? – Então, deve ser bom demais ir para o lado de lá…”Há apenas um mal em tudo isso: a morte, assim como tudo na vida deve acompanhar um processo natural. Morre-se quando se tem que morrer e pronto. Na velhice, na juventude, na infância. Por doença, um grave acidente, ou apenas e simplesmente, morrer por morrer e acabou. Enfim, tudo é vida e motivo de festa. O ter que morrer significa que fomos escolhidos para nascer um dia. Fomos e somos tão importantes que coube-nos uma missão única e especial e se morremos é porque a cumprimos.Mas, contudo, a morte deve vir naturalmente como vem o dia depois da noite, a fome depois de horas sem comer, o cansaço depois do trabalho árduo, o gozo depois do bom sexo e assim por diante. Apenas ela não pode ser provocada, buscada, convidada antes da hora.Nem pensar em suicídios, penas de morte, abortos, eutanásias e o que o valham. Se a pessoa está em coma há anos e vive vegetativamente, é porque tem que ser assim. Faz parte dos desígnios do universo. Ela já se acomodou, já se encontra confortável no seu canto, cumprindo sua missão, passiva, mas aos nossos olhos de pequenez inexplicável. Se está consciente, ela pensa e o seu pensamento é uma energia rarefeita orientada pelas trilhas da sabedoria maior que sabe muito bem, precisa dela e por isso mesmo, a constituiu desta forma. Aparentemente sofrível, mas pode,no seu âmago ser o maior dos prazeres. E quem somos nós para distinguirmos uma coisa da outra?Se a pessoa antes deste estado pedia a eutanásia, como geralmente o alegam seus parentes e responsáveis – que na verdade o que querem, consciente ou inconscientemente é se verem livres do trambolho que carregam. Com certeza a esta altura ela já mudou de opinião e pediria para que não a matassem. É como nós quando vivemos certas experiências novas que se fazem acompanhar de uma força, uma nova adrenalina que nos alivia a dor que nos é dada. Sendo, portanto, um processo natural toda morte é um grande prêmio e tem que vir quando tiver que vir, de forma autônoma, natural e livre, como uma brisa, um sonho bom, uma primavera enluarada. Uma enorme felicidade. Morrer, mesmo fazendo uma comparação materialista baixíssima, é como, por exemplo, conseguir-se um ótimo emprego para quem está sequioso por ele. Passar num ótimo concurso, ganhar na loteria, fazer um ótimo casamento. Enfim, morrer é também uma felicidade. Mas o hediondo mundo capitalista não nos permite pensar e nem agir assim. Pois, colocaríamos em planos distintos as matérias, os produtos, os bens tocáveis, tangíveis e mensuráveis, traduzindo-se em dinheiro, em bens, em poder. Estas coisas pobres e miseráveis em torno das quais, já no terceiro milênio de evolução da humanidade, as instituições, as escolas, as crenças. As culturas, os governos, as famílias, enfim, a vida, ainda sub-existem em função delas.Não devemos nos entristecer quando alguém nosso morre. Ao contrário, como orgulhosamente viviam muitas e muitas das comunidades milenares, morte é festa. É um grande motivo de alegria. Entristecemo-nos com a morte do outro porque somos fracos e covardes. Porque aquela pessoa vai-nos fazer falta. Não vai mais nos amar, lavar nossas roupas, cozinhar para nós, nos fazer companhia, dar-nos conselhos. Rir, dançar, cantar conosco. Ficamos tristes porque somos sádicos e egoístas. Pensamos em nós que não merecemos ainda o presente belíssimo da morte: um ramalhete de Deus. E este, só o entrega aos seres especiais, lindos, completos, iluminados, prontos e que merecem este presente. E, com ele, serem felizes sorrindo supremamente e por toda uma eternidade universal e divina. Resta-nos esperar. E fazer tudo para que o presente venha quando for o seu tempo certo. Que seja belo e delicado assim como as ações que desempenhamos enquanto ficamos por aqui: “gemendo e chorando neste vale de lágrimas”. As pessoas morrem como vivem. E devemos fazer de tudo para morrermos como tenhamos vivido: belamente, fortemente, impetuosamente… Como os animais, por exemplo, que geralmente morrem sadios, dormindo e sonhando com bondades e delícias. Sentindo os aromas magníficos da energia do mundo e da vida, da qual a morte é parte importantíssima, inseparável e fundamental para co-existam. Nascemos e vivemos para morrer. E morrer bem significa o cumprimento do que viemos fazer aqui. Alegremos-nos, pois. Afinal, a morte existe.

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